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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Z - Parte 4

- Acha que ele vai se lembrar? - Indagou a médica.
- Não tenho como te afirmar isso, Myca.

Nitch era um rapaz jovem. Parecia ter uns 26 anos. Cabelos louros, bem arrumados e aparados dando a possibilidade de se pentear com gel arrepiando os pequenos fios para o alto. Recebeu este nome devido ao fanatismo de seu pai com o filósofo Nietzsche. Apenas havia ouvido falar muito dele. A cegueira de seu pai e a falta de instrução do rapaz do cartório não o permitia saber como se escrevia corretamente o nome de seu ídolo. A conversa continuava com a indignação da moça:

- Como não? Você mais do que qualquer um aqui neste lugar deveria saber uma resposta. Não será perigoso se ele descobrir?
-Também não posso te afirmar isso, Myca. É tudo muito instável! Pode ser que ele se lembre, pode ser que não. E mesmo se alguma destas duas hipóteses acontecerem como eu posso prever a reação dele?

Myca parou um segundo para pensar, procurar uma resposta para rebater a argumentação do colega de trabalho ou simplesmente encontrar novas perguntas que pudessem de alguma forma obter a resposta que queria. Nada. Nada vinha. Se deu por vencida por fim. Acatou. Ainda insatisfeita nada que dissesse mudaria o quadro:

- Então... Só nos resta esperar...
- Só nos resta esperar. - Concordou o rapaz.
- Bom, vou ver como ele está então...

A garota se levantou e rumou à porta:

- Er... Myca?
- Hum?
- Você vai fazer algo esta noite? - O rosto do rapaz se avermelhou.
- Só observar o Z.
- Hum... Ok.

A garota apenas sorriu e saiu do quarto, acostumada com o comportamento e a timidez do rapaz. Myca é uma moça bonita e jovem. Tinha 28 anos mas aparentava ser mais jovem. Possuía um corpo de dar inveja a muitas garotas mais novas. De fato, era admirável sua beleza combinada com suas curvas. Se apaixonara pela ciência unida à medicina desde seus 18 anos e desde então nunca mais largou o ramo. Entrou para o laboratório aos 22 anos e permanece nele até hoje cuidando e estudando pacientes que aparecem por lá. Ela era fascinada pela área em que atuava. Principalmente quando eram pacientes como "Z", que não se lembrava de nada, como um mistério a ser resolvido. Ficava horas o observando para tentar captar alguma reação diferente do habitual que lhe desse alguma resposta.
Nesta noite parecia mais intrigada que o normal. Sentia-se angustiada. Inquieta. Impaciente. Era como se algo dissesse a ela que alguma coisa aconteceria. Não sabia se era coisa boa ou ruim, apenas sentia.

A noite era fria. Parecia ser uma data especial, afinal, eu estava em casa. Minha mulher preparava o jantar enquanto batia papo com uma pequena menina na cozinha. Eu estava na sala. Tudo era tão confortável, tão familiar que chego a me sentir bem. Bem de uma forma que nunca senti, chega a ser nostálgico. o jantar está na mesa, comemos felizes, rindo, conversando... De repente tudo começa a ruir, a casa, as paredes, o fogo surge do nada. Vejo meus filhos correrem de medo e serem tragados por uma labareda de fogo que parecia ter vida própria. No rosto de minha esposa desciam duas lágrimas de sangue que pareciam ferver sua pele à medida em que desciam seu rosto. Era aterrorizante. Vi seu rosto mudar. Transmutou-se numa figura quase demoníaca. Deus, o que era aquilo? Ela gritava. Sua voz ecoava pelo vazio que tomou lugar da casa que desaparecera com o fogo dando lugar a um local parecido com o espaço. Haviam estrelas por todos os lados, nós flutuávamos. Como podia aquilo ser tão lindo e ao mesmo tempo tão assustador? Não tinha como me mover, a gravidade me impedia. Eu somente ia sendo arrastado enquanto aquele ser berrava fazendo sua voz ecoar em toda aquela imensidão quebrando todas as leis da física. A única coisa que eu podia ouvir era o som daquela voz cheia de ódio me culpando:

- É sua culpa!

Eu tinha certeza que ela gritava meu nome quando me acusava, mas sempre no final da frase a voz sumia e eu não podia entender do que ela me chamava. Fechei meus olhos com força pedindo para que aquele pesadelo acabasse e a figura desaparecesse. Ao abrir os olhos aquilo estava com o rosto quase colado ao meu, no susto meu instinto me fez gritar:

- PÁRA, CAMILA!

Uma mão prostrou-se em meu ombro. Me senti sendo puxado daquela imensidão. Era como se tivesse emergindo rapidamente da profundeza do oceano. Vi coisas passando rapidamente na minha frente, acho que eram fragmentos da minha vida, vida esta que não me lembrava de nada. Abri os olhos. Acordei. Uma mão estava posicionada no meu ombro. Era Myca:

- Z, calma! Tá tud...
- Camila.
- Ãh?
- Eu tenho um nome! Camila. - Disse assustado.
- Você se chama Camila?
- Não! Minha mulher! Ela se chamava Camila.